Uma Semana em Moçambique que Valeu por Muitas
Antes dessa viagem começar eu já sabia que ia ser uma das mais desafiadoras da minha vida, tanto no sentido de estrutura do país como no emocional.
Para contextualizar a situação
atual de Moçambique, o país foi colonizado pelos Portugueses que mantiveram sua
dominação por quatro séculos (!!). A guerra pela independência teve início em
1964 e perdurou até 1974, com declaração oficial de independência em 1975. Ao
final da guerra, o que restou foi uma população 90% analfabeta e uma economia
arruinada.
Os moçambicanos ainda tiveram
que passar por uma guerra civil entre 1977 e 1992, ou seja, depois de séculos
de exploração e muitos anos de guerra, os moçambicanos tiveram menos de 30 anos
para se recuperar até hoje, de maneira que tudo o que eu vi foi só uma pequena
parte desse complexo problema.
A diferença de desenvolvimento
entre África do Sul e Moçambique já se mostrou logo na imigração, com uma
discrepância gritante na infraestrutura e na organização dos países.
Apesar de muito
desorganizados, o bom humor e a hospitalidade são marcas registradas do país, e
logo na primeira noite que passamos em Maputo tivemos uma amostra da ultra
simpatia moçambicana que se manifestou por toda viagem. A garçonete que nos
atendia sentou com a gente durante boa parte do jantar e se ofereceu para nos
levar para passear pela cidade, assim, sem mais nem menos.
No dia seguinte fomos visitar
os pontos turísticos de Maputo e encontramos uma cidade ainda pouco turística,
mas que faz o seu melhor com o que tem pra oferecer.
Começamos o dia na FEIMA, a
feira de artesanato da cidade, onde encontramos pinturas, esculturas, produtos
em madeira, bijuterias, capulanas, roupas, entre outras coisas bem típicas
Moçambicanas.
Apesar de ser um fim de
semana, a feira estava relativamente vazia, o que fez com que todos os
vendedores praticamente pulassem em cima da gente tentando nos convencer a
comprar o produto deles. De início ficamos bem desconfortáveis, não conseguíamos
andar 5 metros sem pelo menos uns três homens nos seguindo e, além disso, as
negociações eram selvagens. Uma vez eu parei por um segundo para olhar para um
brinco e a vendedora faltou me pegar pelo pescoço. Ela disse que o par custava
15 reais mas, como eu realmente estava só olhando, eu agradeci e retomei meu caminho.
Ela não ficou satisfeita, colocou os brincos na minha mão e disse que faria por 10
reais. Mais uma vez agradeci e disse que não queria. Meu Deus do céu, pra quê?
Essa mulher virou o bicho, gritou comigo, ficou me empurrando e o fim da
história é que eu paguei 3 reais em um brinco que eu nem queria.
Apesar dessa abordagem mais
agressiva, na maioria das vezes eles preferem usar a lábia pra convencer a
gente, falando sem parar até que vencem pelo cansaço. Nessa brincadeira nós acabamos comprando umas
5 pinturas que nem eram tão bonitas, mas que levamos só para nos livrar de um
amigo que não sabia a hora de parar de falar. Com o tempo nos acostumamos com o jeito deles de fazer vendas, mas até lá ainda tivemos algumas dores de cabeça.
As vendas agressivas não são exclusividade da FEIMA, é do país todo, e logo tivemos mais uma amostra disso no famoso Mercado do Peixe. Esse mercado é super famoso como um dos melhores
lugares para comer da cidade além de ser uma experiência.
Nossa aventura em forma de almoço começou na parte de
escolher e comprar o peixe. Você entra em um galpão enorme, com várias pessoas
vendendo todo tipo de peixe, camarão, lagosta, mexilhões e qualquer fruto do
mar que você imaginar. Os preços são realmente inacreditáveis e é muito fácil
se perder na negociação, ainda mais se você tiver um total de zero experiências
em comprar peixes frescos, como era o nosso caso.
Acabamos escolhendo uns peixes aleatórios em uma
barraca aleatória e camarões tigre inacreditavelmente baratos. No próprio
mercado eles limpam a mercadoria e deixam tudo pronto para cozinhar.
Saímos do mercado nos achando poderosíssimas com
nossos frutos do mar lindos, escolhidos
por nós mesmas, bem adultas viajantonas, mas mal sabíamos que o desafio maior estava por
vir.
A gente já sabia que no próprio mercado era
possível pagar alguns restaurantes para preparar o peixe na hora e achamos que
isso ia ser bem tranquilo: era só escolher um bom restaurante e entregar o
peixe.
Só que não.
Assim que colocamos os pés na área de restaurantes
notamos que eram vários pequenos quiosques diferentes, com um monte de gente se
batendo para nos atender. Aproximadamente 15 pessoas se aproximaram da
gente de uma vez tentando pescar a nossa sacola e nos levar para o quiosque deles. Nós
tomamos um baita susto e quando olhei para as meninas estávamos todas separadas, cada
uma sendo arrastada para um quiosque diferente. Eu decidi sentar no primeiro
lugar que eu vi para acabar com aquela loucura e elas me acompanharam.
Vimos que essa estratégia não foi muito boa porque o
nosso quiosque era o pior de todos, com bebida quente, sem copos e atendimento bem ruim, mas no fim das contas acabou sendo o melhor
almoço da viagem, acredite se quiser! Que tempero, que peixe maravilhoso, que camarão indecente! Além disso, sem dúvida alguma, foi uma das experiências mais incríveis que
tivemos por lá, e malucas também. No fim das contas eu super recomendo o Mercado do Peixe, só vá preparado pois você pode terminar comendo um peixe que você nem queria, sentada em um lugar que você não escolheu.
No resto do dia passeamos pela Praça da Independência,
pela Prefeitura, Casa de Ferro, Estação de Trem e o Forte de Maputo. Terminamos
a noite lavando roupas e comendo restos do macarrão do dia anterior, bem glamuroso esse
tal de mochilão.
No dia seguinte passamos na FEIMA de novo, agora já treinadas na negociação da modalidade moçambicana, tomamos café
no parque dos namorados, fechamos o transfer do dia seguinte e cozinhamos no
apartamento. Maputo tem muito a oferecer, mas acho que não nos demos tão bem
com o excesso de calor e falta de segurança do lugar e passeamos menos que o
normal.
Mas o principal de Moçambique ainda estava por vir: as
famosas praias de tirar o fôlego. E uma das mais famosas estava a “apenas” 500
km da Capital, Tofo, e pra lá que nós fomos.
Eu já sabia que a jornada não ia ser simples, já
haviam me alertado que era um trajeto bem cansativo, mas eu pensava que era
pelo simples fato da estrada ser ruim, mas era muito mais que isso.
Compramos uma passagem de Van com o Fatima’s
Backpackers, o único transporte público que tive notícia em toda a pesquisa que
fiz nos meses que antecederam a viagem. Lá nos disseram que deveríamos chegar
no hostel às 4:45 porque a van sairia às 5 da manhã, e foi o que fizemos.
5 da manhã, 05:05, 05:10, 05:20 e nada da van chegar,
até que nos chamaram e nos colocaram em um taxi, dizendo que, como só 4 pessoas
compraram a van do Hostel, teríamos que ir para a rodoviária pegar uma van
comum, a famosa “chapa”. Depois fiquei sabendo que essa "manobra" é muito mais comum do que eles fizeram parecer.
Chegando na rodoviária nosso mini pesadelo começou.
Sem bagageiro, sem espaço e sem segurança, a van era um ovo de tão apertada, e
só sairia depois que já estivesse lotada, com pessoas em pé e tudo.
Tivemos que esperar nada menos que 2 horas para sair,
até que finalmente saímos de Maputo às 07:30 da manhã, com muitas pessoas a
mais do que as normas segurança permitiam.
Eu estava com muito sono e, apesar de não poder me
mover muito graças as malas que estavam nos meus pés e no meu colo, acabei
dormindo durante as primeiras horas do trajeto.
Acordei morta de calor com uma criança desconhecida
dormindo no meu colo. Aparentemente isso é normal por lá. Durante toda a viagem
presenciei várias crianças passando de colo em colo, sem muita cerimônia,
inclusive com pessoas desconhecidas ajudando a trocar fraldas de bebês
aleatórios e ajudando a fazer ninar.
A impressão que deu foi que o apego com bebês é quase
inexistente, e que uma comunidade cuida de crianças em conjunto, como iguais, inclusive as brasileiras perdidas aqui.
A viagem durou nada menos que 8 horas com apenas uma
parada para banheiro, que era só um buraco no chão com baldes de água para “descarga’.
Isso porque já tinha esperado 2h e meia em Maputo, ou seja, 10h e meia para
viajar 500km. Não foi nada fácil, foram muitas horas com pouca comida, pouca
água e nenhum conforto, mas hoje eu consigo dar o devido valor à essa experiência de viver um pouquinho do dia a dia moçambicano.
Finalmente chegamos em Tofo e fomos recompensados com
uma deliciosa cidade praiana, de areias brancas, águas cristalinas e comida
deliciosa.
Os dias que seguiram foram as verdadeiras férias das
férias que a gente merecia. Muita praia, muita piscina, aulas de yoga, jantares
incríveis, safaris oceânicos e uma nada leve queimadura de água viva, só pra
deixar bem claro que aquilo ainda era vida real.
Tofo parece que parou no tempo de tão tranquilo, e
parece não ser desse mundo de tão lindo. Acabamos ficando um dia a mais do que
o planejado, só para não ter que despedir daquilo tudo.
Para a volta, devido ao trauma da ida, começamos a
procurar alternativas de transporte, chegando até a cogitar pagar um taxi, mas
isso estava completamente fora do nosso orçamento apertado. Eis que ouvimos a
dica não muito clara de uma companhia chamada eTrago e resolvemos arriscar.
Pedimos um taxi no hostel que nos levaria até a província
de Inhambane e de lá iríamos pegar o ônibus da eTrago. Pronto, era tudo que eu
sabia sobre esse rolê, mas fui mesmo assim, movida pelo medo da van do terror.
Gente, preciso divulgar isso pra comunidade viajante, que coisa
mais linda foi essa volta! Compramos as passagens direto com o motorista por um
preço ainda menor que o da Van e o ônibus saiu pontualmente às 5 da manhã.
Ônibus de verdade, com ar condicionado e ESPAÇO, um luxo. Tudo bem que a parada
era a mesma do buraco com baldes que a van nos levou e tocava uma música muito alta durante a
viagem inteira, mas, sério, perfeito sem defeitos.
Chegamos em Maputo e foi o tempo de almoçar, passear
no shopping e pegar o ônibus de volta pra Johanesburgo.
Na hora de despedir de Moçambique senti um aperto no
peito. A viagem não foi fácil, mas eu realmente não estava pronta pra me
despedir daquele lugar. Por mais que eu tenha recebido mais tapa na cara do que
conforto por lá, eu amei muito tudo o que vi e vivi. O país é uma mistura de
excentricidade com familiaridade que só senti em Moçambique, e que sensação boa
foi aquela.
Dessa viagem ficaram muitas perguntas e apenas uma
certeza, eu ainda vou voltar.