Muito sol e cuspida de lhama


Dia 5- 25/12: Copacabana pra relaxar

Fui dormir às 3 da manhã e às 5:00 já estava de pé tentando arrumar minha mochila sem acordar os dois rapazes que dormiam no nosso quarto. As meninas chegaram às 5:30 como dois furacões, arrumando e jogando as coisas na mala (provavelmente a Fernandinha começou a perder roupas a partir daí). Na Bolívia comemora-se o natal apenas no dia 25 e o único ônibus que conseguimos para aquele dia foi às 6 da matina.

Samanta, que viajava sozinha, decidiu se juntar ao nosso grupinho e lá fomos nós, quatro menininhas sonolentas, rumo ao Lago Titicaca. A viagem foi longa, mas muito agradável graças à vista linda.

Chegamos em Copacabana por volta de 13:00 e fomos procurar um hostel. Acabamos achando o La Cupula que era meio caro, mas sem dúvida foi o melhor da viagem em termos de conforto.

Estávamos tão mortas que não nos dignamos a sair da cama até a noite, e só saímos porque a fome pegou pesado. Achamos um barzinho aconchegante e pedimos hambúrgueres e cervejas artesanais da região. Eu tomei uma de mel (nada doce), que foi a melhor da viagem. Na volta pra casa estava muito escuro e deserto. Com muito medo de ficar andando por alí, Fernandinha, a encantadora de cães, conseguiu juntar uma matilha de uns 7 cachorros que foram nos acompanhando até a porta do hostel. Isso que é proteção!
A melhor cerveja da viagem

Dia 6- 26/12: Isla del Sol, do sol MESMO

Saímos às nove do porto de Copacabana ruma à Isla del Sol. Durante a viagem haviam duas temperaturas: quando tinha sol era temperatura de pelar porco, quando tinha vento era de gelar a alma. Foram 2 horas de trajeto com essa variação térmica bizarra.

A Isla Del Sol está dentro do Lago Titicaca e podemos visitar a parte norte e sul do lugar. Começamos pelo norte com uma caminhada bem longa rumo às ruínas incas. A ilha em si é uma gracinha, as casas parecem de filme, as cholitas passam pelas estradinhas de terra carregando suas trouxas coloridas, podemos ver burros, ovelhas, lhamas e porcos por todos os cantos e a vista do lago é incrivelmente linda, parece até mentira, é como se o lugar tivesse parado no tempo.

Chegamos às ruínas incas e foi uma experiência incrível. Estava tudo lá, a pedra de sacrifício, a pedra sagrada e os templos. As portas desses templos foram construídas com o pé direito bem baixo, assim somos obrigados a entrar nos recintos nos abaixando, em sinal de reverência. No fim do passeio pudemos beber água da fonte sagrada. Fafá e Fernandinha ficaram com medo de ter uma diarreia, mas eu e Samanta só queríamos a energia, mesmo que isso nos custasse uma complicação estomacal.

Tínhamos que estar no lado sul da ilha às 16:30 para o retorno ao porto e havia a opção de ir a pé ou de balsa. Desde da desventura no Chacaltaya, Fernandinha queria fazer qualquer caminhada possível pra compensar, então decidimos que iriamos andando, mas a caminhada demorava mais de 3 horas e nós tínhamos menos de duas. Graças a papai do céu não deu tempo porque a volta de 45 minutinhos até a balsa já foi bem tensa.

No lado sul da ilha comemos uma pizza, e eu fiquei atazanando todos os bichos que via pela frente. A minha obra-prima foi quanto convenci Fernandinha a tirar foto com uma lhama. Ela se aproximou um pouco e eu encorajei a ir mais perto, até que o bicho olhou pra ela e mandou uma senhora cuspida de lhama. Eu chorei de rir e fiquei muito satisfeita, afinal, cuspe de lhama é um ponto turístico importantíssimo!!
A lhama que cuspiu na Fernandinha
Mesmo praticamente bebendo protetor solar peguei uma insolação daquelas.

De noite comemos hambúrguer e fomos a um PUB maluco que devia ter umas 10 pessoas (contando com a gente). Acabei me divertindo muito, dancei forró com um brasileiro e gastei meus últimos bolivianos em cerveja.

Dia 7- 27/12: Holla Peru!

Pegamos o ônibus de Copacabana de manhã cedo rumo a Puno. A dez minutos de Copacabana tivemos que passar pela imigração e vi um oficial boliviano pedindo propina na cara dura pra um italiano. Já tinha ouvido falar nisso, mas não acreditei que acontecia de verdade. A entrada no Peru foi bem mais tranquila.Algumas horas depois chegamos em Puno.

Eu estava meio sonolenta quando o ônibus parou e tomei um susto gigantesco quando vi uma boliviana rechonchuda em cima de mim berrando que era pra sair do ônibus naquela hora. Saímos correndo para fazer a troca de ônibus e só eu consegui trocar dinheiro para Nuevos Soles. Compramos uma batata e a taxa de embarque e saímos correndo. Entramos no segundo ônibus e levamos um xingo geral por estarmos atrasando o ônibus. Mas o ônibus não saiu, ainda faltavam 4 argentinos que não levaram xingo nenhum quando entraram. Achei chato.

Pé na estrada
Durante a viagem os argentinos estavam fazendo uma algazarra sem noção, tocando violinha irritante e cantando, mas depois de muito tempo, eu finalmente consegui dormir. Acordei sentindo um cheiro muito forte e com a voz de uma menina que não parava de gritar “Pan! Queso! Pan!”. Tomei um susto quando vi que três mulheres tinham entrado no ônibus e estavam fazendo dele uma verdadeira feira. Uma menina corria de um lado pro outro vendendo pão e queijo enquanto a outra ajudava uma chola que estava cortando um leitão inteiro com uma machadinha, e sim, em pleno ônibus em movimento. Do mesmo jeito inexplicável que a aquilo tudo começou, logo terminou. O ônibus parou e elas desceram na estrada, no meio do nada.

Finalmente chegamos em Cusco, às 21:00, mortas de cansaço. Eu ainda era a única que tinha soles e paguei um taxi até o hostel Pirwa. Nossa reserva era só para o dia seguinte pois adiantamos um dia de viagem, se quiséssemos ficar ali naquela noite teríamos que pagar um rim pra dormir, resolvemos, então, procurar um novo local. Rodamos um bocado e estava difícil encontrar algo graças ao ano novo que lotou a cidade. A mochila pesou e a fome bateu, paramos em um hostel meia boca, mas que era barato e tinha café da manhã incluso (comida de graça é sempre a minha favorita). Resolvemos ficar por ali, mesmo com o banheiro único para o hostel inteiro.

Só faltava agora achar comida. Como eu disse, só eu troquei dinheiro e depois de tanta coisa eu estava com o equivalente a 12 reais no bolso e isso deveria dar para todas nós. Estávamos famintas e fomos perguntar na recepção sobre um lugar aberto e (mega) barato. O cara logo nos disse que nada estaria aberto, ainda mais pelo preço que queríamos pagar. Enquanto discutíamos o que fazer uma chuva torrencial começou a cair, olhamos umas pras outras, suspiramos e fomos comer a bolacha água e sal que estava a três dias em nossas mochilas.

Dia 8- 28/12: Tranquilas em Cusco.

Acordamos bem animadas repetindo o mantra “Hoje descansaremos, nada de ter insolação, de ficar 12 horas sem comer e nem escalar montanhas!”. O café da manhã de graça do hostel foi a alegria do dia e estávamos parecendo retirantes que nunca viram comida.

Saímos do hostel em que estávamos e fizemos check in no Pirwa. Depois fomos passear pela cidade. Na Plaza de Las Armas, a praça principal de Cusco, vimos duas peruanas com roupas típicas, bem coloridas, acompanhadas de uma menininha linda vestida a caráter e três bebês ovelha de chapéu (a gente ficou achando que eram alpacas até uns 3 dias depois disso). Achamos a coisa mais linda do mundo e piramos o cabeção correndo pra encontrá-las. Para nossa surpresa elas ficaram super animadas, já chegaram dizendo “Holla!” e jogando os bebês ovelha em cima da gente. Elas nos abraçaram, fizeram mil poses para foto e a menininha bateu altos papos com a gente. De repente, fecharam a cara, recolheram as ovelhas e começaram a pedir dinheiro, aí eu finalmente entendi o porquê de tanta simpatia. Mas tudo bem, dei uns 4 soles (R$ 4,00) para cada uma, inclusive a criança, e as meninas também deram alguma coisa. Pro meu espanto elas ficaram muito bravas e disseram que era pra cada uma de nós dar 10 soles para cada uma delas, elas queriam 90 soles só pela brincadeira que durou uns 5 minutos. Eu sou super bobona, se estivesse sozinha ia chorar e dar o dinheiro, mas por sorte a Fernandinha e Fafá não caíram nessa e saímos de lá sob o olhar de ódio delas.


Depois de finalmente nos livrar das peruanas, resolvemos fechar o pacote de Machu Picchu. Acho que nem preciso dizer que Machu Picchu é uma das atrações mais importantes desse roteiro né? E, particularmente, sempre foi um sonho meu conhecer esse lugar, acontece que na volta de barco da Isla del Sol conhecemos dois casais de brasileiros que nos apavoraram falando que só tinha como chegar lá de trem, que todos esses trens estavam esgotados e que se conseguíssemos algum, só o trajeto de ida e volta sairia a mais de 200 dólares. Pra ser bem sincera eu era meio burra em relação a esse caminho. Eu sabia que teria que sair de Cusco para Águas Calientes e de lá ir a Machu Picchu, mas na minha cabeça (oca) era só pegar um busão pra Águas Calientes e de lá ir de boa à Machu Picchu. Mas não é assim. Realmente a única estrada para o povoado de Água Calientes é uma linha de trem, e esse trem sai apenas de Ollantaytambo, então teríamos que ir de Cusco de taxi pra Ollantaytambo, depois pegar o trem pra Águas Calientes e só depois ir a Machu Picchu! Praticamente uma jornada épica.

Não bastasse essa complicação para chegar lá, de fato os trens estavam todos cheios e os únicos disponíveis custariam meu corpo inteiro, fora a entrada do parque, alimentação e o resto todo. Eu iria falir ali mesmo, antes do meio da viagem. Pra nossa sorte encontramos pessoas pobres como nós pelo caminho que nos contaram sobre uma trilha “alternativa” que incluía uma van de Cusco até uma certa hidroelétrica e depois uma caminhada até Águas Calientes, e a volta seria trem e van apenas. Achamos um pacote de 107 dólares com alimentação, transporte, hospedagem e entrada do parque. Parecia muito bom, bom demais pra ser verdade.


Tudo resolvido, passeamos mais um pouco e fomos tentar achar um lugar bacana pra festar, mas só achamos lugares bizarros e quando nos vimos em um PUB, com um senhor bem velho, vestindo calça social e tamancos de holandesa amarelos, decidimos que o melhor a fazer era dormir.