Conhecer África do Sul Sem Conhecer Cape Town?



Taí uma pergunta que escutamos frequentemente em nossa viagem. Por que raios alguém iria até a

África do Sul e não conheceria Cape Town, considerada por muitos uma das cidades mais bonitas e interessantes do país?

Olha, se Cape Town é a cidade mais bonita ou a mais interessante, eu não sei, mas com certeza é a mais conhecida pelos brasileiros, e justamente por isso o roteiro da galera parece já vir montado junto com a passagem para África: Joanesburgo - Kruger Park - Cape Town.

Cape Town é super conhecida pelas suas praias e montanhas, Kruger pelo famoso e indispensável (?) safari e Joanesburgo acaba virando uma parada conveniente para quem não dispensa conhecer um pouco mais sobre o país.

Acontece que, para mim, isso nunca fez muito sentido. Veja bem, nosso avião pousaria em Joanesburgo, a mais de 1300 km de Cape Town e, além disso, a Cidade do Cabo não iria satisfazer minha vontade de praia, já que a costa oeste da África do Sul é gelada e perigosa para banho.

Já que era praia que eu queria, a costa de Moçambique parecia fazer muito mais sentido, já que a capital do país era a apenas 600km de Joanesburgo e tinha prais de tirar o fôlego.

Engraçado que, apesar do estranhamento dos brasileiros em relação a nossa escolha de roteiro, os sul africanos super entendiam a nossa decisão, afinal, eles também fogem para as praias do país vizinho sempre que podem.

Além disso Joanesburgo não poderia ser apenas uma parada para mim, deveria ser de fato um destino já que eu tenho uma amiga que mora por lá e eu realmente gostaria de aprender a história dessa importante cidade ao lado dos locais.

Definido que nossos pontos de interesse principais seriam Joanesburgo e uma praia no Moçambique, o que veio em seguida foi uma série de gratas surpresas e vou começar a contar um pouco do que fizemos em cada lugar que visitamos na África do Sul:

Joanesburgo tem muita história para contar:


O principal lugar que eu queria conhecer era Soweto, a maior township da África do Sul. As townships eram as áreas urbanas reservadas para os negros na época da severa e violenta segregação racial sofrida no país entre 1948 e 1994. O bairro, que no passado foi significado de dor e exclusão, hoje é símbolo de união e resistência. Para nossa sorte, minha amiga sul africana nos levou para conhecer o lugar logo no primeiro dia.

Em Soweto visitamos a única rua do mundo que habitou dois vencedores do prêmio Nobel da Paz: Desmond Tutu e Nelson Mandela. A casa do Mandela, inclusive, está aberta para visitação e é um passeio simplesmente imperdível.


Em Soweto, também, há o museu Hector Pieterson, que conta a triste história da luta dos jovens negros contra um sistema educacional opressor e segregatório. Hector, que dá nome ao museu, foi um dos muitos jovens mortos pelas autoridades do Apartheid enquanto protestavam por seus direitos e o museu foi o primeiro a ser aberto em Soweto.

Terminamos o dia comendo um braai, famoso churrasco africano, aos pés das Orlando's Towers. As torres faziam parte de uma fábrica que foi desativada, mas hoje servem como base para bunge jump e como cartão postal da cidade.


Para passear por Soweto, a Vee levou uma irmã, uma prima e um amigo. O interessante é que a família da minha amiga é negra, de origem Sotho e Xhosa (tribos) enquanto o amigo delas era de origem italiana, de maneira que os pais deles viveram o Apartheid de lados diferentes. Eles mesmos se reconhecem como a geração "que nasceu livre" e isso é muito forte de ouvir de pessoas tão jovens. É louco pensar que poucos anos antes eles não poderiam ser amigos. Interessante, também, ver a diferente percepção dos dois "lados" sobre a questão do Apartheid, a história é muito mais pesada para um lado e eles sentem isso até hoje, mas foi uma enorme honra conhecer um pouco mais dessa história com eles. Curioso que as meninas não quiseram entrar em nenhum museu porque era "triste demais".

No dia seguinte fomos para o Museum of Africa, um museu com entrada franca que tem de tudo um pouco, bem louco, mas que vale a pena. Depois fomos para o museu da cerveja, com direito a degustação no final





Depois dos museus, como era um domingo, fomos almoçar com nossas amigas no Sunday Market, em Maboneg. Maboneg já foi um bairro super perigoso de Joanesburgo, mas depois de um movimento de artistas locais para recuperar o lugar, é uma das regiões mais descoladas e interessantes da cidade, com bares, restaurantes, muita arte e muita coisa para experimentar. Inclusive, ficamos hospedadas em um charmoso Airbnb por lá.

Passamos o dia inteiro lá, tinham várias barracas vendendo comidas diferentes, muito artesanato, roupas interessantes, muita arte e muita música. Se você estiver na cidade em um domingo, o programa é imperdível!



Ainda em Joanesburgo nós visitamos o Museu do Apartheid e o parque de diversões Gold Reef City. Engraçado que um programa é pesadíssimo e outro super leve e eles estão há poucos metros de distância um do outro, o que tornou nosso dia uma verdadeira montanha russa de emoções, mas recomendo muito a visita aos dois lugares.

De resto, passamos muito tempo com a família da Vee e não houve maneira melhor de conhecer a África do Sul, tivemos muita sorte.


Panorama Route é muito mais do que um caminho conveniente:



Como eu disse antes, nosso objetivo principal era chegar a uma praia no Moçambique e, por sorte, o Kruger Park e a Rota Panorâmica estão bem no caminho, dando ainda mais sentido para a nossa escolha de deixar a costa oeste do país para outra oportunidade.

Para fazer a Rota nós alugamos um carro em Joanesburgo e fomos até Graskop, a cidade base do roteiro. Graskop é uma cidade minúscula e bem simples. Tudo fecha muito cedo e tínhamos poucas opções de lugares para comer ou fazer qualquer coisa. Além de tudo a cidade passou por um apagão de várias horas, o que impediu que a gente explorasse muita coisa. Passamos a noite em Graskop tentando matar bichos no escuro. Nós ficamos hospedadas em um chalé estranho, com paredes de amianto, que mais parecia um banheiro químico em forma de iglu, que tinha portar que não fechavam de jeito nenhum. Baita programa.



Acordamos prontas para sair dalí logo, cair na estrada e começar a Rota Panorâmica pra valer.

Essa rota acompanha o rio Blyde com diversos pontos para observar cânions, cachoeiras, vales, entre outras paisagens de tirar o fôlego. Tudo bem fácil de encontrar, bem sinalizado e bem organizado, dá pra fazer sem contratar um passeio com muita tranquilidade. No final ainda fomos agraciadas com um banho de cachoeira daqueles.





Terminamos nosso dia na cidade de Nelspruit onde deixamos o carro e passamos a noite antes de ir para o Kruger Park.


Um safari diferente:




Esse era um passeio que eu não fazia tanta questão. Safari nunca foi uma coisa que me atraía, não sei porque, mas como o Kruger Park, o principal lugar para Safaris do país, estava bem no nosso cominho, não custava ver como era.

Descobrir um esquema bom e barato para conhecer o Kruger foi mais complicado do que a gente imaginava. As opções ou era muito ruins ou muito caras, além de ter pouca informação para que não queria ir com carro próprio. Ou você ia com seu carro ou fechava um pacote caríssimo, bem fora do que as viajantes independentes aqui gostariam de fazer.

A opção mais barata para hospedagem seria dentro do próprio parque, mas essa opção envolve um carro próprio e para ficar fora do parque teríamos que desembolsar uma boa grana pelos lugares que estavam nos indicando.

Por sorte achei na internet o African Bush Backpackers, um dos únicos hostels que encontramos na região toda. O preço era inacreditavelmente barato e eles ainda iam contactar o Safari pra gente e nos buscar em Nelspruit, perfeito!

Eu li um bocado sobre safaris ao longo do nosso planejamento e o que a maioria das pessoas fala é que a sorte é o fator mais importante para ter um bom passeio. Não é difícil de entender, afinal o Kruger é gigantesco e nós iriamos circular por uma pequena parte dele, ainda por cima estávamos na época de chuvas, então a vegetação estaria mais alta que o normal. Achar animais ali seria o mesmo que encontrar uma agulha no palheiro.

Diante disso, nós decidimos dobrar nossas chances e contratar dois safaris de uma vez, um no por do sol e outro de um dia inteiro. Infelizmente, assim que chegamos no Hostel, recebemos a notícia que o nosso safari do pôr do sol havia sido cancelado e ficamos completamente sem o que fazer ali no primeiro dia.

O hostel fica dentro de uma reserva chamada "Marloth Park" que é basicamente um vilarejo bem simples, no meio de muito mato, que fazia fronteira com o Kruger. Como estávamos sem carro, nossa locomoção ficou bem prejudicada por lá. O lugar é realmente uma reserva selvagem e depois de certa hora fica perigoso andar por aí.

Nós ficamos um pouco chateadas com a mudança de planos, mas ainda assim curtimos muito o lugar e resolvemos ir para a Jacuzzi que fica do lado de fora do hostel. Imaginem nossa surpresa quando, no meio do banho, vimos uma família da javalis passeando, acompanhada de alguns antílopes lindos. Pra aumentar nossa sorte, um amigo do dono do hostel que estava passando as férias por lá ficou com pena da gente e nos levou para passear margeando a cerca do Kruger Park, pelo lado do Marloth Park. Meu deus, que dia incrível foi aquele! Vimos zebras, gnus, veados, antílopes e até girafas! Tudo muito de perto porque, ao contrário dos safaris tradicionais, a gente podia descer do carro.

O momento mais emocionante para mim foi passar pela cerca do Kruger e ver um maravilhoso elefante africano no outro lado, muito perto de mim. Fiquei vários minutos observando aquele ser incrível em silêncio absoluto, até que escutei o chamado de outro elefante bem distante. Quando olhei para a direção do som vi uma manada de elevantes de todos os tamanhos caminhando pelo rio, no meio da Savana africana. Essa imagem vai ficar para sempre na minha memória.


No dia seguinte conseguimos ir para o passeio no Kruger Park, mas eu sinceramente não curti. Estava chovendo e ficou muito difícil para ver animais. Nós vimos basicamente os bichos que havíamos visto no dia anterior, com o bônus maravilhoso de uma família de rinocerontes. Fora isso o safari foi, basicamente, uma infinidade de horas de carro sem muita emoção. Inclusive eu recomendo contratar o passeio de meio dia apenas, no nascer do sol ou por do sol, porque depois do meio dia os animais se recolhem e nada acontece.

Terminamos nosso momento Savana no dia seguinte, quando saímos para caminhar pelo Marloth Park e curtir mais um pouco da natureza intocada. E para fechar com chave de outro vimos uma família de hipopótamos quase na fronteira com o Moçambique, já a caminho da nossa próxima aventura.

Se eu fiquei com vontade  de conhecer Cape Town? Claro que sim! Mas descobri que a África do Sul vai muito além e agora eu tenho mais uma razão para voltar.