Åhus - primeiro adeus

E o penúltimo fim de semana aqui se foi, rápido né? Lembro como se fosse ontem, eu sentada nessa mesma cadeira escrevendo sobre a minha segunda semana, com o cabelo menos seco e a cara menos redonda (amo comida dinamarquesa, fazer o que né?)

Fato é que as coisas andam mais devagar agora, não sei se é a falta de sol ou a falta de dinheiro, mas ando meio desanimada e sem muitas perspectivas para os próximos dias (tirando a degustação de narguille que vai rolar amanhã na empresa). Acho que é falta de dinheiro mesmo, queria ir para Copenhagen ou Odense, ou até mesmo ficar por aqui, mas SAIR de casa um pouco, fazer umas compras, tomar uma cerveja, sei lá, mas graças às minhas estripulias das últimas semanas eu estou pobre pobre marré deci. O jeito é visitar a minha vovó, tomar um chá com o vizinho de 70 anos, assistir as notícias com os meus host parents, ler, escrever e descansar, porque isso é de graça né galera?


Eu achei que fim de semana passado eu ia ficar presa na minha vilinha o tempo todo porque eu tinha que sossegar e parar de gastar um pouco, já estava preparando meu pijama e meu livro, mas Daniel, meu amigo de minha antiga escola, me lembrou que ele ia mudar para Åhus naquele fim de semana e eu tinha dito que iria ajudá-lo.


Dei a notícia para a minha mãe e ela disse:

-Eita! Quando que você tem paciência para isso aqui em casa ein? Eu que tenho que fazer tido sozinha! Quê que eu faco pra você ter essa vontade aqui menina?
E o pior é que é verdade, odeio arrumar, carregar e montar coisas, mas gosto demais do Daniel, ele fez tanto por mim quando eu era intercambista, sem contar que é sempre divertido passar tempo com ele. 
Aceitei o convite sem pensar, gastei mais algumas preciosas coroinhas dinamarquesas e encontrei com ele, Mathias e Lauge em Åhus. 

Foi uma noite, digamos, diferente, para se dizer o mínimo. Eu era a única menina entre os três garotões e segundo Daniel eu já era "one of the guys", não sei se isso é bom ou ruim ou até agora. Eles colocaram um heavy metal, começaram a beber cerveja e a martelar coisas, mais machão impossível né? E eu lá, toda mocinha no meio de tudo, tentando limpar as coisas e sofrendo para montar os móveis com minha força de formiga. Nem para cozinhar eu servi porque Lauge é mil vezes melhor que eu no fogão. Mas foi super divertido.


Montamos a mesa e as cadeiras, os meninos colocaram as luzes, e já era mais do que o suficiente para jantar e depois beber a noite toda. Daniel surgiu com uma cachaça Germana de mil anos atrás, de quando ele foi me visitar no Brasil, e eu fiz a festa. Jogamos uns jogos estranhos de tabuleiros e conversamos bastante.


Uma coisa curiosa que conversamos foi a diferença entre os meninos daqui e os do Brasil. Os meninos aqui não usam camiseta polo "mamãe tô forte" como alguns boys por ai, nem regata, só se forem "roqueirinhos" e ela for larga, não ligam muito para o corpo, cabelo, rosto, mas se preocupam com a roupa estilosa, tipo calça skinny e camisa social. Você nunca vai achar um dinamarquês bombado, no máximo em forma porque faz algum esporte, mas monstro de músculos não, eles são bem magrinhos. Eles são amigos de verdade e falam que se amam sem medo de parecer menos homem por isso, falam quando um homem é bonito de verdade, sem falar que é só "boa pinta". Eles são muito mais sensíveis, não falam baixarias sobre mulher e você pode sim dormir no mesmo quarto de um cara, ou até na mesma cama, que ele não vai tentar nada, eles respeitam as meninas e não tomam nenhum tipo de iniciativa sem antes perceber algum sinal dela. Um brasileiro cabeça fechada pode ler isso e falar "viadagem pura", mas isso nem passa pela cabeça deles, eles não duvidam da sexualidade de um cara assim.


Mas, em compensação, um cara que vai para a academia, usa camisa/camiseta colada, gosta de ter músculos, depila/raspa o peito, faz questão de mostrar o tanto que é pegador e se preocupa demais com a aparência das meninas, para eles, é gay enrustido, eles o chamam de "pretty boy".


Eu achei a coisa mais hilária do mundo como eles pensam diferente. Eu sempre achei que os dinamarqueses agiam da maneira que agem porque nem pensam se estão sendo femininos ou não, mas na verdade eles pensam sim, o que acontece é que os famosos playboys que são os afeminados no mundo deles, vai entender.


Não prefiro nem um nem outro. Do mesmo jeito que odeio homem machão que se acha pegador e se preocupa mais com o meu corpo e o dele do que eu, também não curto muito o jeito que alguns dinamarqueses se vestem, e nem é a coisa mais agrádavel do mundo ouvir certos elogios que os caras direcionam ao seus amigos, muito menos ver um selinho ou outro entre eles de brincadeira. Não dá pra juntas os dois não gente?


Anyways, vivendo e aprendendo né? Viajando e se assustando também.


Dormimos depois das 4 da manhã e acordamos às 10 porque os meninos tinham que terminar de montar as coisas, eu não porque estava com um mal humor do cão, sei lá porque... aliás, sei, mas não posso contar. 


Por volta de 14:00 tivemos que nos despedir de Daniel. Ele me deu um abraço rápido e pela primeira vez na minha história com a Dinamarca eu não fiquei com vontade de chorar por um despedida. Não porque não vou sentir saudades dele, vou e muita, mas porque tenho a certeza que logo o verei de novo e sei que nossa amizade vai continuar a mesma. Ele é do tipo de amigo que posso passar 5 anos sem vê-lo, mas quando eu o encontrar de novo ele vai estar do mesmo jeitinho, me sacudindo, me zoando sem parar e me protegendo ao mesmo tempo . 


Por fim eu, Mathias e Lauge pegamos a van de mudança e caímos na estrada, coisa mais estranha, mas foi divertido até. Chegando em Odense mais despedida, Lauge me deu um abraço carinhoso e apertado e disse "vi ses" como se fossemos encontrar logo no dia seguinte. Mathias me deu um abraço e um beijo amigo e disse que tinha sido ótimo passar esse tempo comigo. Saí a passos rápidos sem olhar para trés e fingindo que eles já não estavam mais ali, me convencendo que tinha acabado e pronto.


Ai que aperto no coração, ai como eu odeio me despedir das pessoas que amo. Eu devia ter pensado nisso antes de me meter nessa vida dupla, mas agora já era. Independente de onde eu estiver, vou estar sempre longe de muitas pessoas que amo, vou estar sempre com saudade de alguém que está muito longe. A vontade é de arrumar uma ilha e colocar todos os meus amigos e famílias, mas como isso não é possível, sigo assim, dizendo olá, dizendo adeus e sentindo saudades sem parar.